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terça-feira, 1 de maio de 2012

Luz de Inverno - Um filme de Ingmar Bergman

"(...) Agora estou livre. Finalmente livre. 
Tive esperança de que tudo não seria ilusões, sonhos e mentiras".
                                                                                                                                                                                           Pr. Tomas Ericsson
segundo filme da "Trilogia do Silêncio", Luz de Inverno (Nattvardsgästerna,1962), do diretor sueco Ingmar Bergman, traz em seu elenco principal: Max von Sydow como Jonas Persson, Gunnel Lindblom como a esposa Karin Persson, Ingrid Thulin no papel de Märta Lundberg e, por último, Gunnar Björnstrand como o Pr. Tomas Ericsson. O filme conta a história do Pr. Tomas Ericsson,que mergulhado em suas constantes crises existenciais vive um dilema entre a razão e a fé. O filme começa em meio a uma celebração litúrgica com a observância dos ritos, dos cânticos e da obrigatoriedade do sacerdote em proferir as palavras mágicas desprovidas do conteúdo da Graça. Toda essa crise assume proporções, ainda, maiores em conseqüência da situação política hodierna. Os jornais locais anunciam que a China está de posse da bomba atômica. Essa ideia aterroriza a todos, principalmente a Jonas Personn um cidadão que sofre desesperadamente com a eminente dor da morte. Em uma visita de Personn ao Rev. Ericsson, o sacerdote tenta confortá-lo e, ao mesmo tempo, revela de maneira sutil a sua dor subjetiva em meio a dor vivida por Personn, quando diz: "de certa forma. Temos que confiar em Deus. Vivemos nossas vidas simples e atrocidades ameaçam a segurança do nosso mundo. É tão opressivo e Deus parece tão distante. (...) Me sinto tão impotente. Não sei o que dizer. Compreendo seu desespero, mas devemos continuar vivendo." Percebe-se desde o início as constantes contradições na vida do pastor. Ora, deve-se confiar em Deus, ora "Deus parece tão distante". E é nessa áurea vazia da religião, o Pr. Tomas, não consegue encontrar as palavras de alento que pudessem ajudar a Jonas e a sua esposa a Sra. Personn. Neste instante cai em desespero e, logo, começa a perceber a incoerência entre as suas palavras e a sua consciência. "Deus está silencioso". São estas as palavras que ele diz a Märta, uma fiel da Igreja que vive uma relação amorosa há anos com ele, logo após a saída de Jonas  Personn. E em resposta a
angústia que só crescia ela diz: "(...) Deus está silencioso. Deus não quer falar. Deus nunca falou, pois Deus não existe. Só isso." A relação entre Tomas e Märta aos poucos vão adotando configurações negativas. A perda da paixão em meio aos conflitos da falta de fé são aperitivos para um fim trágico de angústia e dor. Em uma carta redigia
por Märta e direcionada a Tomas fica claro o ritmo que segue a relação. Eis, então, parte desse conteúdo: "(...) Eu tinha que encarar o fato de que nós não nos amávamos. (...) Eu nunca acreditei na sua fé. Principalmente por nunca ter sido torturada por aflições religiosas. (...) Para mim sua fé é obscura e neurótica... de certa forma cruelmente esgotada de emoção primitiva. Uma coisa em particular eu nunca fui capaz de entender: sua peculiar indiferença para com Jesus Cristo". O diretor Ingmar Bergman conduz o filme em constante tensão. Há uma forte sensação vertiginosa na fala dos personagens. O mal-estar engendrado pela incerteza do futuro e da complexa natureza humana passam pelo um fio condutor da alma e termina, desembocando no inconsciente. A falta de harmonia, entre o dizer e o fazer, é notório na vida do Pr. Tomas. Em um dos diálogos mais tensos do filme é a revelação que o Pr. Tomas faz a Jonas Persson. O pastor que de tanto acostumado a ouvir os lamentos dos fieis assume,agora,
"Se Deus não existe, diz o pastor, isso
realmente faria alguma diferença? O
sofrimento é incompreensível. Portanto,
não exige explicação. Não existe um
criador. Nenhum provedor da vida.
Nenhum desígnio
".
o lugar de confessor. Assim ele diz: "Quero que saiba que não sou um bom sacerdote. (...) Um sacerdote ignorante, infelizmente ansioso. Fazia minhas preces para um deus-eco que me dava respostas agradáveis e bênçãos tranquilizadoras. Toda vez que confrontava Deus com questões reais percebia que Ele se transformava em algo feio e revoltante. Um Deus-Aranha, um monstro. Então tentei colocá-lo a parte da vida mantendo a imagem que tenho Dele só para mim". Bergman, o diretor, parece, aqui, querer revelar a dicotomia existente na vida vertiginosa de Tomas, a saber: o prazer e a dor, a vida e a morte, a saúde e a doença, o amor e o ódio e, por fim, Deus e o Nada. O paradoxo é para o qual confluem as ideias e ações do religioso. Mergulhado em uma crise de natureza existencial, onde a dúvida é a sua aliada fiel vive, apenas, em função de si mesmo e de suas escolhas. Descrente da fé que um dia abraçou, não aguenta mais viver como um referencial a ser seguido. A sua relação insípida com Deus reflete, também, no descrédito para com o outro. Principalmente, para com Märta cuja relação entre ambos desembocou em um mar de entulhos. O suicídio de Jonas Persson é a culminação de um total sentimento de vazio levado as últimas consequências. Sentimento esse de desespero que ora oscila entre a morte e a loucura. Jonas Persson só efetivou aquilo que apriori já existia no sacerdote em completo estado de potência. A morte já era um estado perene na vida de do Pr. Tomas que não passava de um zumbi, contaminado pela aparente fidedigna âncora de salvação propiciada pela religião. O ritual virou um hábito e a hipocrisia sua característica. Bergman quer com isso, então, mostrar as verdadeiras fa- 
cetas da religião e de como seus poderosos tentáculos tornam o homem subserviente a um modelo preestabelecido de normas, regras e condutas. A obediência pelo medo, pela culpa e pela autocomiseração é uma marca destas instituições. Faz-se o bem não por amor ou dever, senão por medo e respeito a uma suposta cobrança divina. E é nesta vida rabugenta e mórbida do religioso que termina o filme: da mesma maneira que começou: no canto frio da Igreja e da obrigatoriedade das celebrações repetitivas. E como não poderia deixar de ser, Bergman, mais uma vez, nos brinda com mais um excelente filme. Espero que gostem e até a nossa próxima postagem. Um abraços a todos Fugitivos da Caverna. Até...

Veja, também:
Ingmar Bergman (1918-2007)
Crise (1946)
Porto (1948)
Sede de Paixões (1949)
Rumo à Felicidade (1950)
Juventude (1951)
Quando as Mulheres Esperam (1952)
Monika e o Desejo (1953)
Noites de Circo (1953)
Sorrisos de Uma Noite de Amor (1955)
O Sétimo Selo (1956)
Morangos Silvestres (1957)
A Fonte da Donzela (1959)
O Olho do Diabo (1960)
Através de Um Espelho (1961)
O Silêncio (1963)
Persona (1966)
A Hora do Lobo (1968)
Vergonha (1968)

Luz de Inverno (1962) - Trailer Oficial

4 comentários:

  1. Essa sessão Ingmar Bergman tá demais. Tb não assisti esse. Espero Persona e Gritos e Sussurros. Não pode faltar!..hehe
    Grande Abraço!

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  2. Você é uma enciclopédia cinematográfica!
    Aqui se acha tudo sobre cinema...
    Aplausos!
    bjs
    Tais

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  3. Também estou gostando muito dessa sessão Bergman. Luz de inverno é o meu segundo preferido da trilogia do silêncio de Deus. Abraços.

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  4. Oi, Celo. Muito obrigado, irmão. Outros de Bergman virão, por aí. Um abraço...
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    Olá, Tais. Fico lisonjeado com sua palavras. Você sempre muito gentil, aqui. Fico feliz que estejas gostando. Um abraço...
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    Oi, Gilberto. É um prazer tê-lo, aqui. Sou suspeito para falar deste, também. Até...

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