O termo latino Sapere Aude - Ouse Saber - traduz a essência de todo conteúdo deste blogger. Nosso desejo, aqui, é ajudá-lo a mergulhar em ideias que produzam um bem estar de prazer nesse imensurável mar de conhecimento. Logo, contribuiremos da melhor maneira possível para que indivíduos sejam “libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância” – como imaginava Sócrates. Portanto, saia da caverna, AGORA, e aproveite o máximo que puder. Um abraço...

FlashVortex.com

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Fanny & Alexander - Um filme de Ingmar Bergman



Ganhador de 4 Oscar, incluindo melhor filme estrangeiro, melhor fotografia, melhor direção de arte e melhor figurino, Fanny & Alexander (1982), do diretor sueco Ingmar Bergman, foi o seu último filme para o cinema sendo considerado umas das suas mais importantes contribuições cinematográficas. Uma verdadeira obra-prima é considerado, também, um dos seus mais importantes trabalhos. O filme trás em seu elenco principal Allan Edwall (Oscar Ekdahl), Ewa Froling (Emilie Ekdahl), Jan Malmsjo (Rev. Edvard Vergerus)Pernilla Allwin (Fanny Ekdahl) e, por último, Bertil Guve como Alexander Ekdahl. Suécia, início do século passado, ano de 1907, o filme conta a história da familia Ekdahl que vivem uma vida aparentemente feliz. O pai, Oscar Ekdahl, proprietário de um teatro é uma pessoa muito influente. Alexander, ofilho mais novo, e sua familia vivem em meio ao universo da arte e da fantasia. O filme começa com a exposição de um pequeno teatro de brinquedos cujas cortinas são abertas pelo próprio Alexander. O foco que se dá ao rosto do menino, bem no início do longa, parece já nos conduzir a um mergulho subjetivo no seu universo lúdico que em tudo vê vida. Até mesmo em objetos inanimados como, por exemplo, a escultura que após um breve olhar, por um instante, a vê se movendo. A cor vermelha que compõe o cenário do pequeno teatro é, também, a cor predominante na casa de sua avó, Helena Ekdahl (Gun Wallgren) que se preparava para receber toda sua familia e juntos comemorarem a festa tradicional do Natal. Enquanto isso no teatro, Oscar Ekdahl, após uma encenação do Auto de Natal, profere o seguinte discurso: "Lá fora, está o grande mundo e a sua realidade que o nosso pequeno mundo reflete fugidamente e nos revela um pouco do seu mistério. Proporcionamos às pessoas que aqui vêm por um breve instante, uma chance de esquecer por alguns segundos, o rosto severo... O rosto da realidade. (...). Nosso teatro é um refúgio do triunfo, do fazer bem, da consciência profissional e do amor". Bergman parece, aqui, já de início mostrar o mundo mágico do teatro, dos sonhos e de como estas sensações foram por demais importantes
na sua formação moral e intelectual. Após o discurso todos parte em direção a casa da mãe de Oscar, onde uma mesa preparada os esperavam. Brincadeiras, danças, bebidas e muita música ocorriam ao redor da mesa. No entanto, toda essa alegria vivida por Alexander, em breve, se converteria em dor com a morte de seu pai - Oscar Ekdahl. Ao término da festa as crianças - Alexander, Fanny e os seus primos - são conduzidas aos seus aposentos e na oportunidade Alexander aproveita para mergulhar em suas fantasias pueris, histórias, mistérios e sonhos com a sua lanterna mágica sempre acompanhado de sua irmã inseparável - Fanny. O diretor sueco, Ingmar Bergman, mais uma vez exalta a beleza da arte e do teatro com uma porta de escape para a realidade caótica em que vivemos. Por um momento, Alexander, em meio as cores e formatos dos desenhos propiciados pela lanterna mágica nos levam a um campo de abstração e ao instante da eternidade. E é neste contexto que ora oscila entre a realidade e a fantasia que diretor traça toda esta história.
"Já pensei. Não é difícil concordar com
você
. (...)Beije-me e abrace-me como
só você sabe fazer
".
Enquanto isso a doença do Sr. Oscar Ekdahl vai aumentado até levá-lo a morte. Com a ausência do pai, Alexander e a sua familia vai mergulhando em um vazio. Aos poucos a casa vai perdendo aquela alegria costumeira para dar lugar, agora, a um mar de angústia e dor. Tudo começa a ficar, ainda, mais difícil quando Emilie Ekdahl resolve, agora, casar com o Pr.Edvard Vergerus - homem rigoroso, persuasivo e autoritário. Apaixonada, Emilie, está disposta a cumprir com todos os caprichos do Rev.Vergerus mesmo que para isso tenha que contrariar os seus próprios filhos. Não demora e, logo, casam-se e partem para morar na Diocese. A relação do Rev. com as crianças vão ficando cada vez mais truncada em virtude da educação por ele ministrada. Desprovida de afeto e amor, a relação segue em meio a um turbilhão de angústia e desespero chegando, até mesmo, a prática da violência psicológica e física, afim de constranger as crianças tornando-as sub-
servientes ao poder do Bispo cujos métodos empregados são os mais rudimentares possíveis. Acusado de mentir contra o Bispo, Alexander é conduzido até seu escritório no intuito reconhecer seus erros, confessar seus pecados e, em seguida, se arrepender por ter proferido tal engodo. Eis, então as palavras do Bispo: "Não o odeio. Amo você. É um amor que tenho no coração... que sinto por você, por sua mãe e por sua irmã. Mas este amor não é cego, nem complacente. É forte e severo. (...) Sou mais forte que você. (...) Sou mais forte porque tenho a verdade. (...) Sua punição lhe ensinará o amor à verdade.” Enquanto isso, Emilie grávida do Bispo e frustrada por haver feito uma escolha egoísta desrespeitando o interesse e a vontade dos próprios  filhos, parte ao encontro da sogra afim de conseguir apoio e ajuda. O divórcio por ele foi negado e o risco dela perder a guardar das crianças por abandono do lar era inevitável. Em uma época onde a mulher não tinha voz tudo era, ainda, mais difícil. "Meu lar é minha prisão. Tenho as mãos amarradas. Quero morrer! tanto aquele homem!". O curioso disso tudo é a mudança de cores na casa dos Ekdahl. No início a cor predominantemente era o vermelho que, agora, cede lugar ao branco e a tonalidades mais claras. Ao retorna a sua casa, ou melhor, a sua prisão Emilie se dá conta de que o seu filho, Alexander, estava preso no depois da brutal surra que levou do seu padrastro. A cena
é dolorosa e forte. Ao lutar com com sua cunhada, Henrietta (Kerstin Tidelius), pela posse da chave do sótão onde se encontrava Alexander, o seu desespero em subir as escadas para encontrá-lo, o silêncio, os primeiros passos até o seu encontro, o abraço e a angústia em ver a situação que, sendo responsável por tudo, propicio para ele faz desta cena umas das mais exuberantes e viris do filme. A destacar, aqui, principalmente, pela cruz com a imagem do Cristo abandonada, inclinada e escorada em um quanto frio e escuro do sótão. Cristo, este, que reflete a natureza fria e escura do Bispo. Neste ínterim, o Sr. Isak Jacobi (Erland Josephson), um judeu comerciante e muito amigo da família, vai a casa do Bispo afim de comprar um baú e resgatar de maneira prodigiosa as crianças. Já fora de perigo Alexanader e Fanny vão para casa do Sr. Jacobi e lá conhecem os seus sobrinhos, Aron (Mats Bergman) e Ismael (Stina Ekblad), ambos irmãos e órfãos. Aron é dono de um teatro de marionetes e o seu irmão, Ismael, sofre de uma insanidade mental. A ideia da existência de Deus, mais uma vez, volta em mais um filme de Bergman. O diálogo, aqui, entre Alexander e Aron parece refletir bem essas questões, Espinosiana e panteísta, quando ele diz: "Tio Isak diz que há várias realidades. Que há espectros e demônios por toda a parte. Diz que cada meio tem vida. (...) Tudo tem vida. Tudo é Deus. O bem é também o mal". Para Alexander nada disso tinha mais sentido. A sua experiência com a dor e a presença, constatemente, da morte e do espectro do seu pai, após o seu falecimento, eram inconpatíveis com existência de um Deus amoroso. "Se há Deus, diz Alexander, ele é um bosta e gostaria de chutar o seu rabo.” E é, portanto, neste breve intervalo que tudo aconteceu, a saber: o Rev. Vergerus e a sua tia morrem, acidentalmente, vítimas de um incêndio e Emilie volta à casa de sua sogra, agora, em companhia de seus filhos. O diretor, Ingmar Bergman, neste filme, Fanny & Alexander, incorporar, aqui, o próprio Alexander. Bergman que era filho de pastor luterano, sofreu, durante a sua infância, uma rígida educação religiosa. Deus parecia algo distante e impossível de alcançá-lo. E, assim, como Alexander (ou como o próprio Bergman caso, assim, prefira) busca na arte a fuga para opressão por ele vivida, Bergman vê na expressão artística por meio do teatro e do cinema algo que confira sentindo, também, a sua existência. Não há, portanto, como negar esta estreita relação autobiográfica, Bergman-Alexander. E, agora, com toda a família Ekdahl em casa, Emilie assume a direção do teatro a pedido de Helena, sua sogra, pois esta era a vontade de Oscar. Entusiasmada com a nova vida, Emilie diz a Helena: "Gostaria que lesse esta peça de Strindberg. (...) Chama-seO Sonho”. Achei que nós duas poderíamos representá-la" E é na saída de sua
mãe que Alexander parte em direção ao colo da avó. Helena com a peça em suas mãos, lê o seguinte trecho: "Mentira e realidade são uma coisa só. Tudo pode acontecer. Tudo é sonho e verdade. Tempo espaço não existem. Sobre a frágil base da realidade, a imaginação tece a sua teia e desenha novas formas, novos destinos.” Assim como na peça de Strindberg (1849-1912) há dúvida se a realidade é verdadeira como no sonho, em Bergman há, também, a ideia de que a realidade não passa de um sonho. A linguagem onírica em Fanny & Alexander é o eixo que move todo o filme. Alexander vive o ceticismo e a certeza em meio as fantasias e as constantes visões espectrais de seu pai e, até mesmo, do Rev. Vergerus que promete continuar a persegui-lo. E é, assim, neste no universo onírico da arte, repleto de devaneios e fantasias, que tudo ou quase tudo parece ter sentido. Fanny & Alexander é uma obra-prima. Um celebração ao Teatro. Uma exaltação ao Cinema e a real possibilidade de encontrar na arte a fuga de nossas angústias. Até breve...




Fanny & Alexande (1982) - Trailer Oficial

6 comentários:

  1. Grande Maxwell como vai? Tudo certo?
    Mais um grande post em cara, ótimo texto! Eu não Conhecia esse filme, nem de nome, mais um por sinal que você me instiga com suas ótimas sinopses da obra do mestre Bergman.

    Fica aqui meu grande abraço,

    ResponderExcluir
  2. Oi Maxwell,

    Tudo bem? Obrigada pela visita no Navegando no Cotidiano. Muito bom o texto! Assisti esse filme e lembro da sensação que tive era de mundo particular, diria caverna que nos escondemos, mesmo não se tratando dessa temática. Um clássico na minha opinião.

    Lu

    ResponderExcluir
  3. O último filme de Bergman para o cinema com pinceladas autobiográficas. Preciso ver logo.

    ResponderExcluir
  4. Olá, Jefferson. Mais uma vez obrigado, irmão. Esse filme é fantástico. Não deixe de vê-lo. Vale a pena. Um abraço...
    **********************************
    Oi, Luciana. Que bom tê-la, aqui, neste espaço. Seja bem-vinda. Um abraço...
    **********************************
    Olá, Gilberto. Ah, sim!!! É um retrato de alma de Bergman. Vale a pena vê-lo. Um abraço...

    ResponderExcluir
  5. Ouvi dizer que este é um dos melhores filmes de Bergman. Ainda não tive a sorte de encontra-lo, mas por ser seu último filme, nada me tira da cabeça que ele encerrou sua carreira com chave de ouro. Mais um filme anotado e mais um excelente post. Acredito que grande parte dos seus leitores, se tornaram fãs de Bergman graças a este especial que você está fazendo!

    *Conheço essa nova versão de Lawrence da Arábia, mas clássico é sempre clássico, hahahaha. Em todo caso, não custa nada assistir, não é mesmo?

    ResponderExcluir
  6. Olá, Rubi. Na verdade esse não é o último filme de Bergman. Mas esse está entre um dos melhores filmes deste grande diretor. E a respeito de Lawrence da Arábia quero muito, sim, vê-lo. Um abraço...

    ResponderExcluir

Fugitivos da caverna comentam, aqui: