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terça-feira, 24 de julho de 2012

A Paixão de Ana - Um filme de Ingmar Bergman



O filme, A Paixão de Ana (En Passion, 1969), do diretor Ingmar Bergman trás em seu elenco principal Max von Sydow como Andreas Winkelman, Liv Ullmann no papel de Ana Fromm, Erland Josephson (Elis Vergerus) e, por último, Bibi Andersson como Eva Vergerus. O filme conta a história de Andreas Winkelman, 48 anos, ex-presidiário que após o fim do seu casamento passa a viver isolado em uma casa numa Ilha em alto mar, e de Ana Fromm (viúva e tradutora) que vive a dor da perda do seu marido e do seu filho, ambos vítimas de acidente de carro. Já de inicio, Bergman, o diretor, nos transporta para um espécie de ascese em razão da presença de paisagens bucólicas. A ideia de beleza será mais tarde, aqui, um conceito duramente castigado em virtude das situações emocionais dos seus personagens.Tudo começa com Andreas ao seu telhado concertando pequenas goteiras seguido da presença aparente de uma perspectiva de um mundo novo que, ora, se apresenta. De repente recebe a visita inesperada de Ana Fromm que pede para usar o seu telefone. Ao término da ligação ela parte e esquece sua bolsa. Curioso, Andreas, vasculha todo seu interior e vê uma carta. Nela há um texto escrito pelo ex-marido de Ana - Andreas. O curioso é que
ambos possuem o mesmo nome. Eis, portanto, o conteúdo da carta: "Querida Ana... não posso mais viver com você eu tentei negar isso por um tempo... por que eu te amo. (...) Eu não posso e não irei mais viver com você. Não acredito que devemos tentar já que nenhum de nós quer mudar. Eu não vou desistir porque sei que teremos problemas que acabarão numa crise nervosa e em violência psicológica e física. Portanto, peço que não me procure. Um abraço, Andreas". Com a posse da bol-
sa, Andreas vai à casa de um dos seus vizinhos o casal Elis e Eva Vergerus, afim de entregar a bolsa de Ana. O incidente serviu para aproximá-los. Posteriormente é convidado para participar de um jantar. Na mesa Eva, esposa de Elis Vergerus, se põe a falar. Em seu discurso ela fala de seu pais e de Deus. Eva diz como foi a sua experiência com o sagrado e as razões, pelas 
quais, a levaram a crer na existência de Deus quando era, ainda, criança. "Quando eu era menina, pensava que Deus tinha barba - disse Eva. Lembro de me sentar no colo do meu pai. Líamos um livro chamadoLuz”... sobre a gênese. Havia uma imagem de Deus voando sobre a Terra. (...) Isso me fez crer em Deus apesar de meus pais não acreditarem". No entanto, quando perguntada se falaria a respeito de Deus para os seus filhos, Eva diz: "Não os ensinaria a acreditar em Deus". Fica claro, aqui, na fala de Eva o contra-senso de uma suposta crença movida, também, por uma descrença. Pois, a mesma que crer é, por sua vez, a mesma que nega em propagar aos seus filhos a doutrinação que um dia aprenderá. O diretor, Bergman, mas uma vez explora a temática religiosa. Sutilmente mostra como a crença em Deus é uma manifestação pueril; e, portanto, com a compreensão da complexidade da existência humana, crer no sagrado não passa de uma lembrança infantil. Ao término do jantar e como avançar das horas, Andreas é convidado para ficar e dormir. A noite ele ouve gritos lancinantes de Ana gerados por pesadelos e lembranças de seu ex marido. No dia seguinte é convidado por Elis, esposo de Eva, para conhecer a sua propriedade e seguem até o moinho, local destinado as coleções de fotos feitas pelo próprio Elis. O curioso é que as fotos eram todas catalogados obedecendo uma rigorosa seleção de ações, a saber: pessoas comendo, atos de violência em diferentes sessões e etc. "Uma vez, diz Elis, colecionei fotos de atos violentos. Eu as cataloguei de acordo com o comportamento. Uma classificação irracional tão sem sentido como o próprio ato de colecionar. Eu mesmo as fotografei". Entre as fotos haviam, também, imagens de Ana aos 23 anos antes da morte de Andreas, seu ex-marido. Na oportunidade, Elis fala de sua vida privada e revela que sua mulher, Eva, teve um relacionamente por um ano com o ex marido de Eva - Andreas. A reação de Andreas veio como um onda que sai varrendo tudo por dentro. A sua expressão facial anuncia toda uma angustia subjacente. Primeiro os gritos de Ana; segundo: a obsessão de Elis por imagens e, por fim, o envolvimento amoroso de sua mulher com o ex marido de Eva. Ao retornar a sua casa, Andreas recebe, inesperadamente, a visita de Eva que afirma está com tédio por está sozinha a três dias após a viagem de Elis. Já a sós, Eva, em meio a uma relação desgastada com o tempo, revela a sua atual situação
amorosa ao lado de Elis a Andreas, dizendo: "Ele está muito cansado de mim. (...) Sou apenas um pedacinho de seu cansaço geral. O mundo é indiferente ao sarcasmo dele, mas eu não sou. Só quero me vingar. Eu não sei o que fazer. (...) O pior é que o amo. O que será de nós? Por que essas coisas acontecem? Que espécie de veneno corrói o melhor dentro de nós deixando apenas a casca?" Mas uma vez, Bergman, o diretor mergulha no cerne dos conflitos que circundam a psique humana - marca registrada em suas obras cinematográficas. Os amores são desvelados nos mais íntimos dos desejos e as paixões eclodem em uma efervescência demasiadamente humana. A traição de Eva se configura como espécie de "vingança", fato que não a impede, paradoxalmente, de continuar amando Elis. O sexo, aqui, vivenciado por Eva é, apenas, um meio na tentativa de suprir a carência e o vazio de uma falta de atenção que ela não vive em seu próprio casamento. O choro e a dor movida por um sentimento de culpa nos braços de Andreas revela um pouco desse paradoxo que engendra no coração de Eva. Eis o teor de sua fala: "É difícil compreender, um dia, que se é insignificante. Ninguém precisa de você enquanto você está lá, querendo se doar. Acho que é minha própria culpa, mas é paralisante. Quero fazer tantas coisas, fazer planos. (...) Eu não devia culpar Elis. Tudo dá errado para mim". Paralelamente a isso ondas de ataques acompanhado de mortes de animais estavam acontecendo de maneira indiscrimidada na ilha, gerando perplexidade a todos. A morte, tema recorrente em Bergman reaparece, aqui, com a mutilação e morte de oito ovelhas do Sr. Olsson, um dos moradores da ilha. A cena é fria e tensa. A sensação fúnebre impera no ato. A cova e o enterro das ovelhas mostra toda a finitude e o vazio da vida a qual estamos sujeitos. A morte tão explícita nas ovelhas mutiladas é a mesma que implicitamente se escondem nos personagens criados por
"Admita que você e Eva
tiveram um caso no último verão
".
 Bergman, especialmente, aqui, neste filme. Em meio a tudo isso, Andreas começa a se envolver com Ana e, em seguida, passam a viver juntos. Numa relação marcada pela ausência de felicidade, o casal cada um em seu próprio mundo de dissimulação e mentira, vão erigindo um muro intransponível entre eles de amor e ódio. Ana atormentada pela imagens do passado, passa a ter pesadelos com lembranças recorrente a morte de seu ex-marido e de seu único filho. Andreas, por outro lado, se esconde em si mesmo e vê no passado fantasmas que o corrói no presente. A convivência entre o casal vai ficando cada vez mais difícil e os medos em meio a um cataclisma de recordações doentias do passado remoto vão inflando, intermitentemente, suas vidas. E é assim que Andreas movido por ímpeto de angústia e dor, em meio a um diálogo marcado por fortes revelações, diz a Ana: "Quero ser livre. (...) É terrível ser um fracasso. (...) Eu estou morto. Não, isso é muito melodramático. Eu não estou morto. Mas eu vivo sem auto-estima. (...) A maioria das pessoas vivem sem nenhuma auto-estima. Humilhadas, reprimidas e cuspidas. Elas estão vivas e isso é tudo que sabem. Não conhecem outras alternativas. (...) À noite, os sonhos me perseguem. A escuridão é repleta de fantasmas e lembranças." É neste barco sem rumo e sem remo que o mundo de Andreas e Ana vai aos 
poucos desembocando em um entulho de angústia, desespero, violência e morte. Bergman nos conduz, aqui, a uma visão particular e subjetiva das relações interpessoais do amor egoisticamente. E é com perspicácia e riqueza de detalhes que o diretor mostra um outro lado da relação, a saber: crua, fria e dolorosa. Lado que, geralmente, não estamos acostumados a ver ou não queremos ver. A Paixão de Ana é, portanto, um filme contundente marcado pela tragédia de situações amorosas que fingimos e tentamos negar, a todo instante, a sua existência. Portanto, pensar na existência da dor é, também, um excelente exercício para vislumbrar a possibilidade de mudança. Espero que tenham gostado. Um abraço e até a próxima postagem...

A Paixão de Ana (1969) - Trailer Oficial 

5 comentários:

  1. Oi, Maxwell :)
    Eu que peço desculpas pela ausência. Meu blog anda tão parado... Nunca mais vi um filme e minhas leituras estão em atraso. Mas estou retomando o ritmo aos poucos.

    Um dos momentos do filme que contribuíram para o desenvolvimento da trama e que me chamou atenção foi a questão da carta. O fato de uma mulher pedir para usar o telefone e, mais tarde, o dono da casa descobrir uma carta em que o remetente tem o mesmo nome da pessoa que lê é instigante.
    Quem não ficaria curioso? ^^

    Ótima resenha e análise!

    Bjs ;)

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  2. Acredita que ainda não assisti esse? Já fiquei interessada quando li o título; e ao ler o texto, fiquei ainda mais. Sem falar no elenco (que eu sempre faço questão de mencionar) Liv e Max. Não tem como dar errado. E pelas frases em destaque, o filme me pareceu maravilhoso.

    E fico extremamente contente que você esteja conhecendo os grandes nomes do passado graças ao meu blog! Quanto a música, sempre achei que isso pudesse atrapalhar o leitor, e tento tomar cuidado na hora de selecionar as músicas. Agora com seu comentário, sei que estou no caminho certo!

    Eu é que agradeço por suas palavras e gentileza!

    Abraços e até breve!

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  3. "O verbo ler NÃO tolera o imperativo, temos que seduzir, provocar, enamorar.
    Ler por prazer é algo contagiante.
    Tudo isto servirá no futuro como verdadeiros anticorpos para o choque invitável contra a mediocridade, a hipocrisia e a vulgaridade quotidiana, contra a aridez do espírito, a insensibilidade e o declínio das faculdades sensitivas da beleza."

    [Biblioteca José Saramago]

    Venho te parabenizar pelo dia do Escritor! Que continuemos a encantar sempre!
    Abraço!

    http://apoetaesuasletras.blogspot.com.br/

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  4. Grande Maxwell! Essa peregrinação por Bergman tá bonita de ver! Esse filme ainda não tive a oportunidade de ver, mas seu texto esta excelente. Cara, tenho andado sumido, pois os compromissos profissionais tem sido árduos. Como sabe, estou residente no Cinema Detalhado. Apareça para prestigiar. Grande Abraço!

    http://www.cinemadetalhado.com.br/

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  5. Oi, Ana. Esse momento da carta no filme é, realmente, curioso. Bergman está sempre nos surpreendendo, né? Fico feliz, Ana, que estejas gostando. Um abraço...
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    Oi, Rubi. Isso é recíproco. Nesse universo tão cheio de balelas ainda há pessoas que se preocupam com a cultura como você, Parabéns...´
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    Oi, Evelyn. Que surpresa agradável. Obrigado pelas palavras. Você, sempre, com gentilezas. Até...
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    Olá, Celo. Não tenho problema, irmão. Você é um cara excepcional. Sabe muito do que faz. Não se preocupe.Darei, sim, uma passadinha lá. Pessoas como você deve ser valorizadas. Um abraço...

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