O termo latino Sapere Aude - Ouse Saber - traduz a essência de todo conteúdo deste blogger. Nosso desejo, aqui, é ajudá-lo a mergulhar em ideias que produzam um bem estar de prazer nesse imensurável mar de conhecimento. Logo, contribuiremos da melhor maneira possível para que indivíduos sejam “libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância” – como imaginava Sócrates. Portanto, saia da caverna, AGORA, e aproveite o máximo que puder. Um abraço...

FlashVortex.com

terça-feira, 8 de maio de 2012

Noites de Circo - Um filme de Ingmar Bergman



Do diretor sueco Ingmar Bergman, Noites de Circo (Gycklarnas afton, 1953) trás em seu elenco principal Harriet Andersson no papel de Anne, funcionária do circo e amante de Albert, e Åke Grönberg como Albert Johansson, dono do Circo Alberti que retorna a sua cidade natal, em que mora sua ex-mulher e filho, na Suécia após três longos períodos de ausência. O filme começa com um breve diálogo entre Albet e Jens (Erik Strandmark) um carroceiro de seu circo. Jens começa a falar a respeito do palhaço Frost (Anders Ek), de sua mulher Alma (Gudrun Brost) e de um fato ocorrido há 7 anos envolvendo um regimento que estava fazendo treinamento de tiro próximo a praia. Tudo ocorre com a chegada de Alma a praia onde todo regimento e um grupo de oficiais se encontravam deitados na grama bebendo. Na medida que ela se aproximava, os homens ficavam cada vez mais intusiasmados. De repente ela vai aos poucos tirando sua roupa sob os olhares sedentos de todo regimento. O mais curioso é que a cena é toda cadenciada ao som de uma marcha circense em que a alegria da música contrasta com a falsa alegria dos personagens. Um rapaz que a tudo, em meio a algazarra, observa, recebe do capitão, a ordem de comunicar ao marido de Alma o que ela estava fazendo. A notícia foi dada a Frost na presença de outras pessoas que quando souberam se puseram a zombar e a rirem da situação. Desesperado e humilhado, Frost, parte para resgatá-la sob o olhar de desprezo da multidão que, também, o seguia. Ao vê-la nua em meio aos homens e, ainda, sob os risos de todos, ele resolve entrar no mar. Por um instante todos começam a observar o show da dor, do desprezo e do sofrimento de Frost. Pois, o prazer em ver o outro em situações degradantes é para muitos um motivo real de puro entretenimento. Eis, então, o espetáculo da humanidade: regozijar-se com miséria do outro. Frost é, aqui, a caracterização da dissimulação, do engodo e da mentira. A alegria símbolo do palhaço é, apenas, a máscara que ele usa para fugir da realidade. A sua miséria é expelida diante do drama que, agora, ele vive. A alegria se esvai em seu rosto que é fruto do desespero. Esse paradoxo muito bem tematizado que se centraliza na figura de Frost, vai contaminando a todos e revelando cada um ao seu modo a sua própria miséria. Logo, a música pára e o silêncio, por um breve espaço de tempo, toma conta do ambiente. Não demora muito para que o silêncio seja rompido e o ritmo, outrora, da música circense seja substituída por batidas que mais fazem lembrar uma marcha fúnebre. A cena é surreal. Ele a segura nos braços, a retira do mar e, ainda, consigo caminha por um trajeto escarpado sob um sol caustigante, até o instante em que não mais consegue. O curioso é que Frost a carrega como se fosse a sua cruz, sem o auxílio de ninguém, em rumo ao seu próprio martírio. Por duas vezes ele cai e o espetáculo da dor é vivenciado por todos como o mais alto grau  de satisfação. Exausto, Frost, passa a ser carregado pela multidão que só contemplava a sua finitude. Percebe-se nesta cena a forte influência do espressionismo alemão em virtude da falta de diálogo característico dessa corrente artística. Com o circo já instalado na cidade natal de Albert, os problemas aos poucos vão aparacendo: funcionários passam a reclamar pela falta de dinheiro, trajes, comida, melhores condições de trabalho e de saúde para seus filhos. Na tentativa de suprir tais necessidades em meio as condições insalubres, Albert vislumbra a possibilidade de sair pelas ruas com toda a trupe convidando o público para o espetáculo. Sem trajes novos decide ir a companhia de teatro de Sjuber (Gunnar Björnstrand) que está na cidade no intuito de conseguir algumas roupas emprestadas. Albert e Anne vão ao encontro de Sjuber e , Albert, comunica-o a real situação do seu circo e motivo de sua visita. E, logo, começa a humilhação por parte de Sjuber a Albert. O diretor teatro afirma que ele não tem condições de pagar pelo empréstimo dos trajes e que há o risco, ainda, de infestá-los com piolhos e outras pragas. E sem nenhuma complacência diz, ainda, a Albert: "Vocês vivem em carroças, nós, em hotéis. Fazemos arte, vocês artifício. Os mais humildes de nós desprezam os melhores de vocês. Por quê? Vocês arriscam suas vidas, nós, nossa vaidade. Seu traje é ridículo." Após todo esse desprezo gratuito, Sjuber cede o seus trajes e solicita que lhes mostrem o guarda-roupas. No trajeto Anne flerta por alguns segundos com Frans (Hasse Ekman), um ator do teatro, deixando-se ser por este seduzida. De posse dos trajes, Albert e Anne, seguem com sua trupe e os demais integrantes do circo em um desfile pela cidade. Sem a autorização por escrita para o uso da via pública para a passeata, Albert tem seus cavalos apreendidos pela polícia. Humilhado e tendo que parar o desfile, volta para o local onde se encontra estalado. E, agora, quem o humilha é Anne, pois sabendo que ele irá visitar a sua ex-mulher, Agda (Annika Tretow) - dona de uma loja e em condições econômicas favoráveis - teme que ele não mais volte e abandone o circo e a ela, também. "Você não nega, diz Anne, pois quer abandonar tudo. Você está ficando velho, fraco e medroso". Anne ameaça partir caso ele vá ao encontro de sua ex-esposa. A ameça de Anne em nada adiantou. Albert partiu. Ao chegar na casa deAgda ele é recebido por seu filho, agora com nove anos, que não o reconhece. Três anos de ausência foram suficientes para apagar a imagem do pai da lembrança e do coração. A frieza se instaura na cena. O olhar de Albet perdido ao ver o seu filho que, a princípio, não esboça nenhuma reação amigável. O olhar de indiferença do menino, que já era de se esperar, é notório quando ele pergunta de maneira seca e áspera: "Você é meu pai?". "Sim". Respondeu Albert. A resposta foi desconcetante, tímida  e vergonhosa. O pai que respondia era o mesmo que não conseguia encarar o menino que perguntava. Em seguida Agda se apresenta e começa o show da vingança com uma falsa presença de ternura. Primeiro ela pergunta se ele está com fome, mesmo sabendo que as condições atuais de Albert não são das melhores. Convida-o para entrar e prepara-lhe algumas panquecas. Fala de suas conquistas profissionais e da compra de uma loja de tabaco, única da cidade, na tentativa de causar inveja. Agda se predispõe, também, em
ajustar o botão de seu paletó revelando a pobreza dos seus trajes imprestáveis. E o ultimato foi em querer emprestar dinheiro a Albert. Fato que o tornaria subserviente a ela. E, de repente, Agda revela o motivo de toda essa irônica gratidão dizendo: "Porque você me deixou? Não entende que lhe sou grata por isso? Sou grata. Eu finalmente encontrei paz e tenho minha própria vida. Chega daquele circo horroroso que eu sempre odiei e temi. (...) Não, estou feliz agora. E sou grata." E antes mesmo de partir, Albert aproveita a oportunidade para dizer a Agda que deseja ficar, abandonar o circo, ver os filhos crescerem e ajudar no loja. E é, então, que vem a palavra final de Agda: "Não, não pode ficar. (...) Mais ninguém vai tirar minha paz e liberdade". Enquanto Albert 
passava horas na casa de Agda, Anne, sua amante, vai ao teatro a procura de Frans. Seduzida entrega-se aos seus caprichos em troca de um amuleto valioso. Ao sair do teatro ela parte em busca de joalheiro no intuito de negociar o amuleto. Albert, para sua surpresa, vê tudo de longe. A tristeza estampada em seu rosto é descomunal. Desprezado pela mulher e, agora, traido pela amante. Albert mergulha em mar de desespero. Ele não tendo para onde ir e, muito menos, Anne, não lhes restam uma outra saída, senão leva o circo nas costa como um fardo contínuo. Ambos se veem presos em suas próprias angústias, cuja relação asquerosa que compartilham são frutos de suas próprias escolhas. Todo esse contexto é claro quando, Albert, diz a Anne agora a sós no circo: "(...) eu e você somos o circo. (...) Agora estamos presos. Presos como nunca." A vida de Albert, a cada instante, assume uma configuração cada vez mais vilipendiosa e 
o show de horror parece não ter fim. No entanto, apesar de tudo, começa o espetáculo. Todos estavam presentes no circo e disposto a prestigiar a derrocada de Albert. No circo Anne se apresentava como uma Amazona e, logo, vê Frans na primeira fila a zombar de sua condição moral. Irritado com que via, Albert o provoca dando inicio a uma briga. No confronto entre, Frans e Albert, este levou a pior tendo que ser retirado após haver apanhado muito. Ao término do confronto, ironicamente, o palhaço Frost anuncia o fim do espetáculo. Humilhado, Albert, já no canto frio de sua carroça, na companhia de Anne, não esboça nenhuma palavra. É, então, que abruptamente busca uma arma e aponta para sua própria cabeça. Ao acionar o gatilho a arma não dispara e, logo, contempla o rosto da morte, que é o seu próprio, refletido no espelho. E é, assim, sem nem mesmo poder dar cabo de sua vida ele parte com o seu circo em direção ao Nada. Noites de Circo, o filme, é uma bela alegoria sobre as vicissitudes da vida e de como a existência se funda em um palco onde as pessoas representam um outro de si. E é, portanto, apenas, no silêncio que elas se revelam. No silêncio da morte. Um abraço e até a próxima... 

Noites de Circo (1953) - Abertura

9 comentários:

  1. Por serem mais famosos, acabei conhecendo mais os filmes da segunda fase da carreira de Bergman, por isso não conheço Noites de circo e nem vários dos primeiros filmes dele.

    ResponderExcluir
  2. Bela resenha. Aqui no RJ vai ter um festival com 50 filmes do Bergman restaurados em pelicula. Tipo imperdivel, o problema é arrumar tempo...
    Cara, valeu demais o seu comment na postagem de Dom Quixote de Orson Welles, funcionou muito bem como um complemento da mesma. Gosto do Dom Quixote, mas não sou um profundo conhecedor. Anotei suas dicas e vou procura-las. Grande Abraço meu camarada!

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo post, meu velho. Não sou muito fã de Bergman ... na verdade tenho algumas resistências, acho que por trauma de infância. Mas lendo sua postagem dá até vontade de repensar isso e voltar a ver Bergman. Um abraço!

    366filmesdeaz.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  4. Que excelente análises você fez sobre os filmes de Bergman! Ainda não vi Noites de Circo, mas da Trilogia do Silêncio, que você analisou há pouco, meu favorito é Através de um Espelho.
    Abraços!

    ResponderExcluir
  5. Olá, Gilberto. Gosto muitíssimo dos filmes da segunda fase. No entanto, penso que a primeira é mais introspectiva. Um abraço...
    *********************************
    Oi, Celo. Que invejá, rapaz. Uma amostra de Bergman. Logo agora que estou preparando esta Sessão. A respeito de suas palavras, Celo, muito obrigado. Seus comentários são, também, bem-vindos aqui. Um abraço...
    *********************************
    Oh, irmão. Obrigado pelas palavras. Espero que sua volta seja mais agradável, agora. Até...
    *********************************
    Olá, Lê. Esse é um dos meus preferidos. A respeito da Trilogia do Silêncio gosto, também, mais do primeiro. Um abraço...

    ResponderExcluir
  6. Nossa, como você falou, são filmes que mexem com nossa zona de conforto, tem que estar com "espírito" para assistir,o que não é o meu caso neste momento. Mas como sempre sua narração é fantástica.
    Muita luz e lindo fim de semana!
    bjs
    Ana

    ResponderExcluir
  7. Sou apaixonado pela filmografia de Bergman e pelo profundo teor filosófico e psicológico que ela tem, ainda não vi este filme, mas pretendo fazê-lo em breve!

    A mostra que o Celo mencionou acima, que está acontecendo no CCBB do RIO e breve estará no de São Paulo e no de Brasilia certamente é um deleite para qualquer apreciador da obra do cineasta, uma pena que estamos longe demais para conferir...

    ResponderExcluir
  8. Adoro filmes com o enredo envolvendo circo.Nem conhecia a existência desse (sou muito desligado do cinema Europeu)mas me deu vontade de ver.
    Grande Post, Parabéns....

    Abração

    ResponderExcluir
  9. Oi, Ana Coeli. Obrigado por suas palavras. É sempre um prazer tê-la neste espaço. Fico feliz que tenhas gostado. Conhecer um pouco da vida deste grande diretor vale a pena. Um abraço...
    *********************************
    Olá, Bruno. Não poder ver esta amostra é uma lástima. Pena que estamos tão distantes. Valeu pela visita, irmão.
    *********************************
    Oi, Jefferson. Este é um dos meus preferidos. Penso que você irá gostar. Portanto, não deixe vê-lo. Um abraço...

    ResponderExcluir

Fugitivos da caverna comentam, aqui: